E se o mais genial tricolor Nelson Rodrigues ainda fosse vivo? E tivesse sobrevivido à espetacular virada do Fluminense contra o Inter, no Beira-Rio?
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Uso Nelson hoje para dizer o que só Nelson disse para sempre.
O texto abaixo é uma edição e condensação de várias crônicas de jornadas épicas do Fluminense, nos anos 1950 e 1960.
Todas as palavras e frases foram escritas por Nelson em colunas para “O Globo” e revista “Manchete Esportiva”.
Só os nomes foram trocados.
Aspas abertas.
“Amigos, a humildade acaba aqui. O Fluminense conquistou sua mais bela vitória. A massa ‘pó-de-arroz’ teve o sentimento do triunfo. Vivos e mortos subiram as rampas do Mário Filho e celebraram nas Laranjeiras e nas arquibancadas do Beira-Rio.
Os vivos saíram de suas casas e os mortos de suas tumbas. E, diante da plateia colossal, Internacional e Fluminense fizeram duas dessas partidas imortais. Daqui a 200 anos a cidade dirá, mordida de nostalgia: - ‘Aqueles dois jogos da Libertadores!’. Ah, quem não esteve no Maracanã e não viu no Beira-Rio não viveu.
Houve, durante 180 minutos, um suspense mortal. Setenta mil pessoas morriam nas arquibancadas dos dois estádios nas duas partidas.
Mas, dizia eu, que a nossa humildade para aqui. Passamos toda a jornada com um passarinho em cada ombro e as duras e feias sandálias da humildade nos pés.
Mas o Fluminense é o vencedor. Desde muito antes. Lembro-me da primeira rodada em que ficamos na ponta. As esquinas e os botecos faziam a piada cruel: - ‘Líder por uma semana’. Olhem para trás. Não houve time mais regular. Mais constante. Mas foi engraçado: - por muito tempo, ninguém acreditou no Fluminense, ninguém.
Houve lances que escapariam à vidência até de um Maomé, até de um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um momento em que Fábio estava batido irremediavelmente. Dois momentos. O arco tricolor
abria seus sete metros e quebrados. E que fez Enner Valencia? Consumou o gol de cambaxirra de cabeça e depois na cara de Fábio?
Simplesmente, o atacante do Inter deu as duas bolas de bandeja para fora do gol.
E foi preciso que German Cano, o goleador por nós mais esperado que um Moisés, marcasse aquele que seria o gol da vitória, da doce e santa classificação.
E o Inter não empatou mais, nunca mais.
Não acredito em futebol sem sorte. Digo mais: - sem esse mínimo de sorte, o sujeito não consegue nem chupar um Chica-Bon, o sujeito acaba engolindo o pauzinho do sorvete. E o Fluminense estava jogando sem uma ínfima gota de sorte até a virada no Beira-Rio.
Amigos, a grande verdade: - a obra-prima, no futebol e na arte, tem de ser imperfeita. A partir do momento em que o time do Diniz e do Ganso e do Marcelo deixou de ser tão estilista, tão Flaubert, os gols começaram a jorrar aos borbotões.
Agora e a pergunta: - e o personagem da conquista? Podia ser cada um. Mas entendo que desta vez o personagem deve ser o time. Do goleiro ao ponta. Todos, todos mostraram uma alma, uma paixão, um ímpeto inexcedíveis".
Aspas fechadas.
Mais de 40 anos depois da partida de Nelson, 40 depois de tudo, o Fluminense de John Kennedy e Cano escreveu mais uma das melhores páginas do futebol.
Aquelas que nem Nelson saberia descrever.
Ou só ele.
À sombra das chuteiras imortais, o Fluminense entrou pelo Cano.
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